sábado, 16 de junho de 2007

Bononos

Uma dieta vegetal gerou a cultura pacífica dos bonobos. O que podemos aprender com eles?

MATT KAPLAN

Congo é um dos países mais instáveis e hostis do planeta:. Mas seu interior sombrio é a pátria de um grupo de pacifistas que se parecem com remanescentes de um acampamento hippie. O chimpanzé-pigmeu, ou bonobo, é literal de e metaforicamente falando nosso primo mais próximo. Pelo que sabemos, ele é pro­vavelmente o mais sexual de todos os ma­cacos. Também é considerado nosso parente vivo mais próximo. Talvez mais próximo até que o chimpanzé. Os bonobos parecem de viver segundo o principio "faça amor, não faça a guerra. Tratam uns aos outros com te docilidade, jamais mostran­do agressividade ou violência assassina, e possuem muitos dos traços psicológicos que mais valorizamos, como altruísmo, compaixão, em­patia, gentileza, paciência e sensibilidade. Como foi que se tomaram tão simpáticos?

Por volta de 6 milhões a 8 milhões de anos atrás, nossos ancestrais se separaram da linha que se tornaria hoje duas espécies de chimpanzés. Depois, há mais ou menos 2 milhões e meio de anos esses dois, os bonobos e os chimpanzés comuns, também se separaram.

Nosso mundo humano é caracterizado por guerras, opressão e terror. Os chimpanzés também têm a reputação de ser agressivos e sanguinários. E então nos deparamos com os bonobos. Como foi que seguiram um caminho de evolução tão diferente? Eles poderiam nos ensinar a ser mais to­lerantes? O que seria preciso para ativar nosso bonobo interior?

Ninguém conseguiu apontar o que exa­tamente toma esse macaco tão diferente. Porém, está ficando cada vez mais claro que seu comportamento é influenciado por seu ambiente, cultura e aprendizado. O que os bonobos comem, como estru­turam suas interações sociais, sua capaci­dade de passar de uma geração para outra determinadas atitudes psicológicas, tudo isso parece fazer parte desse processo.

Exstem ainda, no máximo, algumas cen­tenas de milhares de bonobos selvagens. Fles vivem somente nas florestas tropicais do Congo.Apesar de não ser ainda conhe­cida sua distribuição exata, ao norte seu território é limitado por uma curva do Rio Congo, que forma uma barreira intransponível. Seu hábitat se parece com o dos chimpanzés, mais amplamente distribuídos na África. No entanto, os hábitos das duas espécies não poderiam ser mais diferentes.

Quando comunidades de bonobos de diversas áreas de uma floresta se encon­tram, as fêmeas de cada tribo começam a fazer sexo com os machos da outra. Quando tri­bos de chimpanzés se encontram, esses encontros são violentos. Alguns indi­víduos acabam feridos ou mortos. Os chimpanzés criam sociedades despóticas controladas por machos, que costumam espancar as fêmeas para comprovar sua dominação. A sociedade dos bonobos é igualitária até na alimentação. As fêmeas têm acesso preferencial à comida.

E há, ainda, o sexo. Os bonobos são fa­mosos por isso. A parte a atividade típica entre macho e fêmea, eles se dedicam a comportamentos criativos: beijos mo­lhados, masturbação, sexo oral, cópulas entre fêmeas e entre machos, sexo grupal, enfim, é uma longa lista. A única restrição é o incesto entre as mães e sua prole.

Em suas últimas pesquisas, o prima­t610go Gottfried Hohmann, do Insti­tuto Max Planck para Antropologia Evolucionária, em Leipzig, Alemanha, se convenceu de que uma das chaves para as diferenças entre chimpanzés e bonobos está em sua dieta. A pesquisa­dora inglesa Jane Goodall revelou que os chimpanzés gostam de carne. Goodall os observou caçando em grupos atrás de micos, porcos selvagens e mesmo antílopes. Seus ataques não têm nada de misericordioso. Foram vistos batendo micos contra pedras, para depois se refestelar com sua carne.Os bonobos também caçam outros s mamíferos da floresta.

Alguns consomem quase mesma quantidade carne que os chimpanzés. No entanto, ao contrário dos chimpanzés, são as fê­meas de bonobo que controlam as presas e as dividem, primeiramente, com outras fêmeas e com os jovens. Embora também comam carne, a principal fonte de ener­gia dos bonobos está em algumas ervas naturais. Parece que a parte da floresta tropical que habitam é uma bem fornida despensa para vegetarianos famintos.

Os estudos feitos por Hohmann e seu gru­po revelam que as espécies de plantas que os bonobos consomem são ricas . em nutrientes e fáceis de digerir. A erva Haumania liebrechtsiana, por exemplo, apresenta um teor de proteínas extra­ordinariamente elevado e poucas fibras indigestas. Os chimpanzés não comem a haumania, rara em seus hábitats. Por isso, precisam extrair a parte suculenta de outras espécies de plantas mais difíceis de descascar e digerir.

Como conseqüência, os bonobos gastam pouco tempo para preparar a comida. O momento da alimentação se tomou uma atividade social, permitindo o surgimento de um comportamento gregário. Mais que isso. O suprimento abundante de vegetação nutritiva significa que os bonobos não precisam competir por comida nem caçar para ter carne. Os pesquisadores acreditam que isso tenha contribuído para seu estilo pacífico de viver. Os bonobos seriam simpáticos porque o meio ambiente em que vivem é simpático.

Será que isso é tudo? Frans de Waal, da Universidade Emory, em Atlanta, Geórgia, um pesquisador pioneiro de chimpanzés e bonobos cativos, diz que não. "Bonobos e chimpanzés mantidos em condições idênticas de cativeiro se comportam de formas completamente diferentes”, afirma.

Os bonobos cativos continuam pacíficos e os chimpanzés mantêm sua sociedade violenta. Há diferenças genéticas que de terminam algumas dessas variações, diz De Waal. A diferença de tamanho entre machos e fêmeas é maior nos chimpanzés que nos bonobos.

Ele suspeita que esse fator, junto com o fato de os machos bonobos não se aliarem entre si como o fazem os machos chimpanzés, possibilitou às fêmeas de bonobo ganhar a supremacia. Hohmann não nega as diferenças físicas entre chimpanzés e bonobos, mas mantém que o meio ambiente é o fator crítico para explicar seu comportamento. "As culturas sobre os banal que observamos na vida selvagem não têm padrões imutáveis': diz.

"O comportamento é o aspecto mais flexível desses animais”. Segundo ele, tanto os bonobos como os chimpanzés apresentam facilidade para aprender, adaptando-se rapidamente a qualquer situação. O uso de ferramentas é um desses casos. A aprendizagem levou às tradições culturais distintas de uso de ferramentas em diferentes populações de chimpanzés. Porém, ainda que os bonobos não usem ferramentas na vida selvagem, eles aprendem facilmente a fazê-lo no cativeiro, quando surge a necessidade.

Para Hohmann, a per­gunta a ser feita é: o que aconteceria se os bonobos fossem colocados nas flo­restas dos chimpanzés e vice-versa? Não há dúvida de que a vida se tornaria bem mais difícil para os bonobos. A aliança entre as fêmeas provavelmente sucumbiria à medida que a competição pela comida aumentasse. Como resultado, ele diz que os machos começariam a explorar sua superioridade física. Por necessidade, talvez até tra­balhariam juntos, tal como os machos chimpanzés. Por outro lado, a reação dos chimpanzés seria até mais intrigante. Se tivessem acesso à haumania e a alimentos com baixo teor de taninos, surgiria uma cultura de cooperação ou persistiria a cultura violenta da dominação pelos machos? Infelizmente, não há como responder a isso nos zoológicos.

Estudos mostram que os primatas po­dem aprender rapidamente a ser mais ou menos agressivos conforme as alterações de seu meio ambiente. Um exemplo clás­sico desse fato foi observado por Robert Sapolsky, que atualmente está na Univer­sidade Stanford. Ele estudou um grupo de babuínos em uma floresta perto de uma pousada de turistas no Quênia. Em 1981, o despejo de lixo da pousada aumentou, atraindo outro grupo de babuínos. Os ma­chos mais agressivos do grupo visitante começaram a competir pelo lixo com os babuínos do local. Dois anos depois, hou­ve um surto de tuberculose, conseqüência de carne infectada no despejo. A maioria dos babuínos do grupo vizinho à pousa­da morreu, assim como os machos agres­sivos do grupo visitante. Sobreviveram só os machos mais passivos. Até 1986, o comportamento dos grupos sobreviventes havia se tomado bem mais pacífico.

Em 1993, Sapolsky visitou novamente os babuínos e se assombrou com sua falta de agressivi­dade. Isso apesar de todos os machos originais terem morrido e novos machos de outros grupos terem vindo para ocupar o lugar daque­les. O que era notável é que, embora os novos machos tenham sido criados em grupos distantes, tipicamente agressivos, eles adotaram a cultura pacífica do grupo. "O fato de os machos residentes serem todos passivos fez com que se criasse essa nova cultura” diz Sapolsky.

Onde ficam os humanos nisso tudo? Como primatas, somos escravos de nos­so meio ambiente ou somos capazes de nos elevar acima dele? "Nosso meio am­biente configura nosso macaco interior': diz De Waal. "Podemos ser cooperativos como os bonobos ou competitivos como os chimpanzés, mas são as condições a nossa volta que determinam que lado vai se evidenciar", afirma..

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sábado, 7 de abril de 2007